Tempos Modernos?
Não sei dizer que horas eram quando Javi deitou-se ao meu lado, de barriga para cima, naquela imensa duna de areia. Olhou para o teto de estrelas que cobre o deserto e, com seu doce sotaque madrilenho, entoou uma canção dos meus conterrâneos Tom e Vinícius: “tristeza não tem fim, felicidade sim”. Será que ainda era noite? Ou o dia seguinte já tinha chegado? Será que era domingo? Ou seria terça? Será que estávamos a 15 metros do chão? Ou seriam 100? O Sahara talvez seja como a própria tristeza: aqui não há começo, não há fim. Não se sabe onde nasce o céu ou onde morre o horizonte. E para mim, que moro em Manhattan, aquela ilha apertada, com começo, meio, fim e gente, muita gente, passar uma noite aqui, nesta imensidão, deve ser como pousar na Lua. No deserto, quem manda é o silêncio. Ele nos cala. E é ele que nos faz sentir o quão longe estamos de tudo o que conhecemos, e o quão perto estamos do que somos. “A Lua deve ser assim”, concordou Javi [...].
Sahara, em árabe, quer dizer deserto. Aqui, sente-se a vida mais longa, estirada – e as noites mais curtas. Imponentes e magistrais, as dunas nos intimidam. São gigantes de areia cujo tamanho não conseguimos decifrar. Dizem, porém, que algumas chegam a 150 metros de altura.
Em Nova York, a cidade mais populosa dos Estados Unidos, são os prédios que nos fazem sentir pequenos. Lá, as palavras “vazio”, “silencioso” ou “isolado” não têm vez. [...] Não há um café despido de som ambiente, seja jazz, blues, hip-hop ou bossa-nova. Não há um táxi em que não haja uma rádio haitiana nas alturas ou um paquistanês conversando pelo celular com um cidadão em Karachi. É uma cidade onde o silêncio assusta; é como se algo estivesse errado. [...]
Esta vastidão faz parte de poemas, lendas e batalhas dos tuaregues, povos tribais que até hoje fazem daqui a sua terra. É impressionante como eles sabem onde é norte, sul, e como calculam as distâncias se guiando pelas estrelas. É como se, para eles, tudo fosse sinalizado, como se houvesse placas por todos os lados neste mar de areia. [...]
[...] Nesta noite, aqui no deserto, celebro dez anos do dia em que cheguei a Nova York. Dez anos. O tempo voou e eu nem percebi. Agora ele está congelado, petrificado. Ironicamente, foi preciso um deserto para tamanha façanha.
[...] Em Nova York, no auge do frio, ninguém vê a cara de ninguém. Nos escondemos debaixo de luvas, gorros e cachecóis – eu mesma, me enrolo até o nariz, só deixo os olhos de fora. A única notícia boa é saber que a tortura tem fim. Nos países do hemisfério norte não se fala em meses, fala-se em estações. Esta é uma forma incrível de marcar o tempo. Como será no deserto? Sei lá. Só sei que aqui, tenho tempo para pensar no tempo – no que passou, no que virá. Em Nova York, não há tempo para isso. Lá, tempo é luxo. Segundos são cronometrados, atrasos são pecados. Neste mundo de ponteiros, resta se jogar no gramado do Sheep Meadow, no Central Park, colocar o iPod no ouvido, devorar o New York Times e observar um bebê engatinhar. Momentos que fazem, nem que por poucos segundos, o tempo parar. Talvez tenhamos mesmo que aprender com estes “homens azuis”, que parecem viver como aquele soneto do velho Vinícius: “Ando onde há espaço. Meu tempo é quando.”
O texto apresentado ganha poder sobre os seres humanos.
MENAI, Tânia. Trip. São Paulo, ano 19, n.140, dez. 2005 (Fragmento).
Comentários
Postar um comentário