Português
“Cobrança”
Moacyr Scliar
Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa,
caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraíam a
atenção dos passantes: "Aqui mora uma devedora inadimplente". ― Você
não pode fazer isso comigo ― protestou ela. ― Claro que posso ― replicou ele. ―
Você comprou, não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador.
Por diversas vezes tentei lhe cobrar, você não pagou. ― Não paguei porque não
tenho dinheiro. Esta crise... ― Já sei ― ironizou ele. ― Você vai me dizer que
por causa daquele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram prejudicados.
Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou
fazendo. ― Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta... ― Negativo.
Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você, expliquei, avisei.
Nada. Você fazia de conta que nada tinha a ver com o assunto. Minha paciência
foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar aqui,
carregando este cartaz, até você saldar sua dívida. Neste momento começou a
chuviscar. ― Você vai se molhar ― advertiu ela. ― Vai acabar ficando doente.
Ele riu, amargo: ― E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que
deve. ― Posso lhe dar um guarda-chuva... ― Não quero. Tenho de carregar o
cartaz, não um guarda-chuva. Ela agora estava irritada: ― Acabe com isso,
Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui. ―
Sou seu marido ― retrucou ele ― e você é minha mulher, mas eu sou cobrador profissional
e você é devedora. Eu avisei: não compre essa geladeira, eu não ganho o
suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me ouviu. E agora o
pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer você que eu faça?
Que perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até você cumprir sua
obrigação. Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível.
A ele, isso pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante
da casa, carregando o seu cartaz. O imaginário cotidiano. São Paulo: Global,
2001
Compreendendo o texto
O acontecimento surpreendente do texto consiste no fato de:
O fato de o cobrador ser marido da devedora e cumprir a ordem de cobrá-la, valendo-se do mais absurdo recurso;
Quanto à tipologia e o gênero textual, o texto pode ser
classificado em: Narrativo: Crônica;
Aspectos linguísticos do texto: A palavra ilegível é formada por derivação
prefixal e sufixal
As palavras “inscrição” e “outro” possuem encontro consonantal;
“Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta...” o elemento coesivo destacado pode ser substituído por porém sem prejudicar a coerência do texto.
“Aqui mora uma devedora inadimplente”. O termo destacado na
oração exerce função sintática de: Sujeito.
A opção em que a palavra destacada está classificada
corretamente quanto à classe gramatical: “Se
você está preocupada com minha saúde, pague o que deve.” – conjunção adverbial
condicional;
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