Como dizia meu pai - Fernando Sabino
Como dizia meu pai
Já se tornou hábito meu, em meio a uma conversa, preceder algum comentário por uma introdução: — Como dizia meu pai... Nem sempre me reporto a algo que ele realmente dizia, sendo apenas uma maneira coloquial de dar ênfase a alguma opinião. De uns tempos para cá, porém, comecei a perceber que a opinião, sem ser de caso pensado, parece de fato corresponder a alguma coisa que Seu Domingos costumava dizer. Isso significará talvez — Deus queira — insensivelmente vou me tornando com o correr dos anos cada vez mais parecido com ele. Ou, pelo menos, me identificando com a herança espiritual que dele recebi. Não raro me surpreendo, antes de agir, tentando descobrir como ele agiria em semelhantes circunstâncias, repetindo uma atitude sua, até mesmo esboçando um gesto seu. Ao formular uma ideia, percebo que estou concebendo, para nortear meu pensamento, um princípio que se não foi enunciado por ele, só pode ter sido inspirado por sua presença dentro de mim. — No fim tudo dá certo... Ainda ontem eu tranquilizava um de meus filhos com esta frase, sem reparar que repetia literalmente o que ele costumava dizer, sempre concluindo com olhar travesso: — Se não deu certo, é porque ainda não chegou no fim. (...)
(Fernando Sabino, Como dizia meu pai. In: Obra reunida. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. Fragmento)
COMPREENSÃO DO TEXTO
1- Sobre a “voz” que narra os fatos, se trata de um narrador-personagem, que conta nostalgicamente, usando a primeira pessoa, coisas de seu passado.
2- Em — Como dizia meu pai... — o verbo dizer é utilizado no tempo pretérito imperfeito do indicativo, indicando uma ação que ocorre no passado, mas observada como um processo que continua.
3- No texto, há marcas explícitas de usos gramaticais das formas brasileiras de falar em contraposição aos determinados pelo padrão formal do português escrito. Uma dessas marcas é uso da regência verbal em …ainda não chegou no fim.
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